Há branco e preto. Mas também há cinzento
Há sim e não. Mas também há talvez.
Há Stones e Beatles. Mas também há Kinks e Beach Boys.

Os meios termos não são sinónimo de indecisões ou posições frouxas.
São muitas vezes compromissos, o tempero de sabores agrestes, a água na fervura.

Já visitei aqui as duas visões opostas acerca do propósito de uma marca:
– a que o defende como um alicerce essencial, fundamental, imperioso para a construção de uma marca robusta e (bem) ancorada no mercado (clicar aqui sff)
– a que o considera um exercício fútil e falacioso, cheio de armadilhas e vias transviadas (clicar aqui sff)

Mas para quê rejeitar liminarmente o propósito ou adotá-lo como um mantra sagrado?

Neste terceiro artigo tento demonstrar que existe uma 3ª via, uma análise
por um lado racional, mas não cegamente comandada por tirânicos modelos, estudos ou dados
e por outro lado inspirada e bem fundeada em princípios, mas nem ideológica nem sonhadora.

Por isso cá vai o meu guia para quem quer construir uma marca e se questiona acerca do seu propósito:

NÃO HÁ PROBLEMA EM NÃO TER PROPÓSITO

Não, uma marca não precisa de uma razão de ser fundamental para além do dinheiro.

Os consumidores não estão tão atentos quanto nos querem fazer crer.
E nem todos estão desejosos de trabalhar em empresas que vão salvar o mundo.

Não ter um propósito claramente expresso não torna a marca (ou empresa) uma entidade sem escrúpulos, despojada de alma ou de ligação com as pessoas.

Pode-se fazer isso de uma forma mais simples (mas nem sempre fácil):

sendo uma marca (empresa) consciente, responsável, empática e sustentável.

PROPÓSITO NÃO É O CONTRÁRIO DE LUCRO

Existem, claro, inúmeros exemplos de empresas de sucesso sem nada sequer que se assemelhe a um propósito social.
Não há que ter vergonha em querer atingir lucro, em querer vender.
Bem pelo contrário.

Esse lucro pode até ser benéfico socialmente, como forma de criação de emprego ou de redistribuição, e como forma de gerar meios para alimentar ou financiar causas.

O que me agonia não é tentar vender ou obter lucro.

Mau é tentar disfarçá-lo.
Mau é o aproveitamento que se faz de um conceito nobre que deveria ser tratado com parcimónia.
Mau é fazê-lo a expensas de um propósito ilusório, de enganar clientes e o mercado com uma máscara de bondade caridosa que ninguém pediu mas que alguns insistem em colocar.

É o Purpose Waching, a Indulgência 2.0.

Um exemplo?

Airbnb

Propósito:
Construir comunidades.

Realidade:
Não pagam impostos nos países onde são alugadas as casas,  não contribuindo assim para manter as infraestruturas das comunidade onde estão inseridos e das quais beneficiam os seus clientes.
É a maximização de lucro à conta das comunidades que dizem querer construir.

Alguém falou em dissonância cognitiva?

Uma marca não precisa de ser “A” escolha ética.

Tem é de ser “UMA” escolha com ética.

PROPÓSITO É

NATURAL

Há quem defenda que ele é um elemento que se descobre, escavando fundo, fazendo arqueologia e antropologia de Branding.

Não concordo.

O propósito é pouco mais que subcutâneo. Cheira-se, sente-se, ouve-se.

Não é questão de descoberta.

No pior dos cenários será só limpar o pó, raspar impurezas e passar um verniz protetor por cima.

Mais que isso é uma construção.
E aí perde-se a verdade e cria-se a tal máscara.

EXISTENCIAL

E por ser natural, é um modo de ser, de estar, de ver.

Uma postura, um código interno. Mais do que escrito, vivido.

É a rejeição de alguns standards da indústria / categoria.

Escolhas mais caras guiadas pela coerência de valores.

Pode até torna-se uma estratégia de negócio.

COMPROMISSO: DIZER QUE SIM  E SABER DIZER QUE NÃO

É fazer escolhas, seguir por certos caminhos, rejeitando outros.

É um radicalismo de opções duras e inequívocas, para quem tem vontade de abrir frentes de combate.

Com compromisso, sem fazer prisioneiros.

É tomar partidos, sem medo.
Acreditando que há um lado bom que a história irá recordar e nós, não só  fazemos parte dele, como contribuímos para a sua construção e crescente compreensão e perceção.

E atenção: não há marca com propósito que não atraia ódios, repugnâncias, inimigos, dissidentes.

VIRADO PARA FORA

Esse código de valores, essas linhas de atuação, são guias que nos levam a um destino, a um objetivo, externo à empresa.
Não visa o seu crescimento ou o seu benefício direto.

Não será tanto uma posição altruísta mas talvez comunitária, visto que pretendemos contribuir para algo do qual fazemos parte e do qual acreditamos que também beneficiaremos.

Por vezes implicará uma atitude pedagógica, noutras uma atitude quase panfletária.

O PROPÓSITO NÃO É

Um encaixe à estrutura da empresa

Uma estratégia de Marketing (não é Gillette?)

Um conceito de espaço físico

Um argumento de venda

Uma característica do produto

O mesmo que Sustentabilidade

A SOLUÇÃO

Ou melhor, a minha solução.

Consciência | Responsabilidade| Empatia | Sustentabilidade

Faz este teste:

FORNECEDORES

Os meus fornecedores cumprem as normas legais, laborais e ambientais aceites na Europa?

Pago o preço justo ou o que me convém?

Cumpro com os prazos de pagamento acordados?

E estes são acordados ou impostos?

Sou cliente e então acho-me sempre com razão ou acredito que a razão tem sempre cliente?

EQUIPAS

Oiço ou Falo?

Exijo cegamente ou Facilito o Desempenho Excecional?

Recompenso ou Penalizo?

Metas acordadas ou Objetivos Impostos?

Um cliente insatisfeito justifica uma repreensão injusta ou humilhante à equipa?

Divido para Conquistar ou Unifico para Agregar?

PARCEIROS & INSTITUIÇÕES LOCAIS

Procuro relações de ganho mútuo ou procuro relações de ganho unilateral?

Sou motivado pelo que posso retirar de cada relação ou procuro ajudar e acrescentar?

GOVERNO CENTRAL

Pago os meus impostos?

Cumpro com as minhas obrigações?

Cumpro com os meus deveres legais?

CLIENTE

Como lhes facilito a vida?

Os preços que pratico são justos e transparentes?

Acrescento Valor ou quero-me apropriar dele?

SOCIEDADE CIVIL

Envolvo-me com a sociedade civil?

Tenho Causas verdadeiras ou pratico Marketing Social?

Incentivo as minhas Equipas a ter uma atividade social se o pretenderem?

AMBIENTE

Faço as melhores escolhas à minha disposição para poupar recursos?

(Matérias primas, Infraestruturas, Transportes, Etc)

CONCLUSÃO

Marcas com propósito serão poucas.

Mas todas, todas a marcas podem ser comandadas por Princípios, Valores e pelo respeito pela Ética vigente.

Fazer o correto. Dizer o correto. Incentivar o correto.

Isso para mim já é um propósito que justifica uma existência digna e dignificante.

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