As modas sempre me causaram….como dizer… um certo desconforto:

  • Na música os tops das playlists hertzinanas causam-me uma rejeição quase pavloviana.
  • Os “spots mais trendy” tornam-me um sociopata.
  • As palavras chavão (ou buzzword em estrangeiro) são o meu síndrome vertiginoso.
  • As tecnologias com endeusamento prêt-à-porter envelhecem-me 50 anos e plantam-me numa zona ribeirinha do Tejo.
  • As estratégias da moda colocam-me em modo brigada de trânsito:
    “não sei o que fizeste de errado, mas cheira-me que algo está mal e vou encontrá-lo”.

Propósito é um chavão travestido de estatégia da moda.
Vertigem fardada portanto.

De conceito proto-utópico praticado por alguns “chanfrados visionários”, passou a integrar o léxico empresarial e marketeiro.
Depois do mergulho na latrina corporativa que foi o final da 1ª década deste século, passou da boca de beatniks dos negócios para a de yuppies corporativos.

Mas, como em tudo, respirar fundo, recuar um passo, analisar o que realmente se passa / passou, sem vieses e sem preconceitos, pode trazer alguma luz à análise.
Ou seja: Formar opinião informada. Construir um pensamento crítico.

Mas para começar, do que se fala aqui?

O QUE É O PROPÓSITO?

É o que mobiliza a empresa para além do óbvio (o lucro).
É uma Estratégia.
É o que estamos dispostos a fazer e, mais importante ainda, aquilo de que estamos dispostos a abdicar.

Não é uma tática.
Não é um jogo de cintura.
Não é Filantropia
Nem sequer uma Causa que “abraçamos” (porque será que as causas e os projetos se “abraçam”?)

Mas há dentro deste conceito várias perspetivas contraditórias, textos conflituantes, autores que se polarizam.

E por isso este é o primeiro de três artigos.
Para poder abarcar algumas destas visões e tecer a partir daí uma conclusão. Nem certa, nem errada. A minha.

Então:

#1  Neste primeiro tomo vou direto à crítica, à desconstrução de mitos.
#2 No segundo tentarei apontar as virtudes.
#3 No terceiro, a súmula, o suco da barbatana, as possibilidades e algumas abordagens desta estratégia.

‘Bora lá:

A FALÊNCIA

Patagonia, Everlane e Toms são alguns exemplos clássicos de marcas com um Propósito puro e duro.
E de corpo e alma, porque o próprio modelo de negócio está assente nele.

  • Na Patagonia é fazer roupa outdoor com respeito pela natureza – Harmonia simbiótica.
  • A Toms, por cada par de alpercatas comprado, oferece outro a comunidades necessitadas – Filantropia de mercado.
  • Na Everlane temos acesso aos bastidores, existe uma transparência radical: o que compram, a quem e por que preço – Rastreabilidade Open Source.

Mas não se ficam apenas pelo que Pensam ou Dizem. Fazem. Demonstram. Praticam.
Consistentemente e Coerentemente, Sem Conceções, Sem Meios Termos.

A campanha “Don‘t By this Jacket” da Patagonia é o perfeito exemplo.

dont by this jacket patagonia 1

Mas parece que este modelo de tão replicado está a passar um mau bocado.

As pessoas já não se identificam da mesma forma. Porquê?

SATURAÇÃO

A desconfiança (cinismo dirão alguns) perante algumas marcas cresce.

Há uma saturação natural do mercado e consequentemente dos consumidores.

Demasiados canais, demasiadas mensagens.
São novas marcas (e antigas) que a todo o momento apregoam estados de alma tão similares entre eles que parecem saídos de um menu de casos de estudo de sucesso.

FALTA DE COMPROMISSO

Autenticidade | Sustentabilidade | Ambiente | Verde
Hoje em dia encontramos ester termos em entusiamantes Relatórios de Contas juntamente com “EBITDA” e “amortizações”.

Partilha de lucros com ONG | Plantar árvores por cada venda | Voluntariado ativo.
Tudo boas ações. Reação do mercado? Bocejo.

E perante isto o que fazem as empresas? Nada!
Ações benévolas sem risco: “Sim! Vamos a isso!
Ações com significado e risco: “Nãaooo! ‘Tás doido?!

USURPADORES

..e ao oitavo dia, a recreação!
Entraram nesta delicada loja de cristais os elefantes do costume: as grandes empresas e os conglomerados de marcas.

Qual o efeito nos consumidores?
Similar à reação dos filhos à entrada dos pais numa rede social.

F.U.J.A.M.!!!!!

Run

A cotação do Propósito enquanto elemento unificador começa a cair em flecha.
É a Grande Depressão.
Mas desta vez não há whisky rasca para contornar a lei seca.
Há cinismo e inconsistência em barda.

A FALÁCIA

Já todos vimos imensos estudos, tiradas opinativos, juras de amor a apontar para um futuro radioso na Propósitolândia.

65% das pessoas dizem querer comprar marcas com um Propósito

Gen Z liga-se a marcas com que se identifica.

Mas depois vem aquela coisa chata: a Realidade.

A REALIDADE DO CONSUMIDOR

65% das pessoas podem até dizer que querem comprar marcas com um Propósito

Sim, 65% das pessoas podem até dizer que querem comprar marcas com um Propósito
…mas apenas 26% as compram.

Outro estudo:
a Edelman fez notar que 53% das pessoas considera importante as marcas envolverem-se.
Mas que por outro lado apenas 21% afirmaram usar marcas que têm um propósito claro na forma como pretendem impactar a sociedade.

Claro, estudos sociais podem ter as suas limitações (de método, de amostra, de fiabilidade da informação recolhida etc.).

Mas vão ao vosso armário, despensa, cozinha, garagem, casa de banho.
Quantas marcas com um propósito firme encontram?

É o fosso entre o que se diz e o que faz…

A REALIDADE DO MERCADO

Gen Z liga-se a marcas com que se identifica.

…no entanto esta geração não representa os consumidores do presente.

Aaaah mas vão ser os de amanhã“. Certo.
Mas aí já não serão os mesmos.
As suas ambições, preocupações e até relações serão diferentes.
Muito provavelmente as marcas que hoje gosta / consome serão mais tarde apenas parte de um imaginário, serão arrumadas no caixote das marcas nostálgicas.

Exemplo de mudança de comportamento numa geração:
De entre os baby boomers nasceu uma sub-geração fortemente idealista, com grande impacto nas mentalidades e regras não escritas da sociedade contemporânea, os “soixante-huitards“, heróis académicos de um Maio que cantava futuros radiosos.
E hoje, onde andam?
Bem,
passaram de ecologistas de cartilha a engravatados encartados,
de idealistas militantes a pragmáticos diligentes.
Deu-se uma metamorfose, mas ao contrário:
de uma bonito atitude inconformista para um lacónico torpor situacionista.

A REALIDADE DAS MARCAS

Todas as marcas têm de ter um propósito!
As marcas de/com futuro terão um propósito!
O propósito é o driver das marcas!

Mas depois lá vem ela outra vez, a realidade..

Grande parte das marcas de consumo mais prevalecentes não são guiadas por um propósito claro.
Por cada Toms, Everlane, Patagonia existem 20 Primarks, H&M, Zara.

Isso, por si só, faz destas últimas empresas menos responsáveis?
Não necessariamente. Apenas sinaliza que não colocam essa atitude no centro da sua estratégia de comunicação e, muito menos, da estratégia de marca.

Se de futuro as marcas terão de ter uma maior ligação com as suas comunidades?
Sem dúvida.

Obrigações legais. Obrigações setoriais. Foco dos investidores em empresas social e politicamente aceites. Exigências de clientes corporativos. Exigências da sociedade. Pressões políticas.

Estas e muitas outras condicionantes encaminham as empresas para uma maior responsabilidade e sustentabilidade.
Mas isso não faz delas marcas com um propósito claro e definidor.

O que nos obrigam a fazer é Lei é coação.
O que decidimos fazer em total liberdade e consciência é Moral.
E o Propósito é a destilação dos Valores e da Moral de uma marca no que ela pensa, diz, faz e oferece, quer interna, quer externamente.

OS FALSÍDICOS

Conhecem a história do tristemente famoso Dodo?

O Dodo é uma ave que foi extinta em menos de cem anos pela ação de navegadores holandeses.
Estes, famintos, faziam escala na ilha Maurícia onde aquelas aves prosperavam.
E quando lá paravam a passarada o que fazia? Nada. Por não terem predadores naturais não voavam nem tinham medo.
Resultado? Uma mortandade.

Pois bem, as “novas tendências”, as plataformas tecnológicas, os mercados de nicho, são os Dodos metafóricos dos tempos modernos.
Os navegadores holandeses (já não se chama Holanda pois não?) são as grandes marcas e os marketeiros vorazes.

Assim que descobertos por estes sanguinários navegadores 2.0 depressa é aplicada a lei da terra queimada: uso em excesso até à sua saturação ou extinção.

E o Propósito é então mais uma ave indefesa prestes a ser dizimada.
As armas utilizadas?
A Lavagem de Marca, o Washing nos seus mais diversos tipos (Green, Social, Pink, Blue etc).
Ou seja, a utilização de um Propósito para lavar a imagem de uma marca, servindo de cortina de fumo para a realidade ou facilitar o lançamento de um produto.

Os tiros ao lado são mais que muitos.
McDonalds. Gillete. Theranos. We Work. Dove. Pepsi.

Fora de contexto. Fora de Tom. “Propósito” para justificar ações menos nobres (eufemismo). Propósito em forma de Unicórnio na Terra Prometida. Overdose de Propósito. Oportunista.

Juntem-se incongruências entre o que se faz e o que se diz, falta de conhecimento acerca do que é o propósito, confusões com outros conceitos (causa e missão por exemplo) e temos o caldo perfeito.

Toda uma economia que esqueceu o que é e para o que veio e que procura uma saída.

Mas às vezes essa saída é apenas uma área de serviço:
pode aliviar-nos mas não leva a lado nenhum.

CONCLUSÃO

O Propósito está a precisar de um Propósito…

PRÓXIMO PASSO

No segundo artigo vou abordar o lado bom da força:
Como pode o Propósito definir (positivamente) a Estratégia de uma marca ou mesmo de todo um negócio?
Está aqui.

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