Acontece mais ou menos de 2 em 2 anos

Atinge o seu pico quando as campanhas andam em velocidade cruzeiro, quando se aproximam as grandes decisões e as inevitáveis (ou não?) cisões:

Esquerda ou Direita; Geringonça ou Machimbombo*; Lombo de Porco; Vitela Estufada

Há um vírus que eclode, um mal-estar que desponta.
Chega mesmo ao grau de pandemia, mas neste caso sem vacina.

Ativa ou passivamente, contactamos com esta doença na rua, nos media, nos almoços de família.

Este vírus não precisa de contacto para se propagar, a distância social nada resolve.

E nas redes sociais….bem aqui o caso é mais grave, passa de doença a necrose.

O PARTIDARISMO

É um fenómeno bem estudado.

Em 2013 um grupo de investigadores dos EUA fez um exame a 1100 pessoas.

Eram-lhes colocados dois problemas, essencialmente de análise de dados, com dificuldade semelhante entre eles e com resposta unívoca, objetiva e factualmente correta.

  • O 1º relacionava cremes e erupções cutâneas
  • O 2º relacionava armas com os níveis de criminalidade.

Apesar da semelhança na dificuldade e método matemático, o primeiro problema teve bastantes mais resposta corretas. Mesmo para os participantes com melhor raciocínio matemático, o segundo problema trouxe maiores dificuldades na analise dos dados.

A conclusão:
A capacidade para analisar factos quando eles envolvem temas sensíveis ou fraturantes diminui substancialmente.

Que é o resultado do Partidarismo:
Um viés, uma preferência pelas opiniões ou ideias de um determinado grupo:  o nosso.
O Partidarismo dá-nos um forte sentido de pertença a um grupo, torna-nos mais gregários através da partilha de valores, pontos de vista ou crenças.

Vemo-lo não só na política mas também em grupos étnicos, nações, religiões ou à 2ª-feira num balcão de café perto de si.

Mas quando os membros destes grupos identificam incongruências entre a sua posição e a realidade ou entre o que pensam e o que fazem surge um conflito, um desconforto.

Aqui entramos no 2º conceito:

DISSONÂNCIA COGNITIVA

É um desalinhamento entre o que pensamos, acreditamos ou dizemos e a realidade ou o que fazemos. Exemplos:
Fumo mas sei que faz mal.
Um jogador do meu clube de eleição agrediu outro mas eu não gosto de violência.
O líder do partido com o qual me identifico mentiu mas eu não gosto de desonestidade.

O desconforto gerado leva-nos a querer fugir deste estado e, muitas vezes, a ter reações extremadas

Dissonância      ➜     Desconforto      ➜     Tristeza      ➜     Ódio

No caso do Partidarismo, esse ódio “spinoziano” é “cuspido” contra o quê ou quem está contra as nossas crenças ou sistema de valores (infelizmente estou certo que não será difícil identificares exemplos deste cenário).

O que gostamos ou odiamos é mais importante do que aquilo que pensamos ou sabemos. A raiva tornou-se uma mercadoria

Ece Temelkuran

E então assumimos uma das 4 formas de superar a Dissonância:

  1. Alterar o nosso pensamento / comportamento
    É a mais eficaz, mas a mais difícil e menos popular:
    “Porque apoio este partido? Devo deixar de apoiar? Ou continua a apoiar assumindo as suas falhas?”
  1. Justificar o comportamento (ou pensamento)
    “A conjuntura económica não ajudou”
  1. Adicionar novos comportamentos (ou pensamentos)
    “Há uma campanha nos media para nos deitar abaixo”
  1. Ignorar totalmente
    “Isso é tudo mentira! Fake news!”

O PARTIDARISMO E A DISSONÂNCIA COGNITIVA NAS MARCAS

Alguns partidos conseguem atingir o que para uma marca é aparentemente uma espécie de último degrau de evolução, um Nirvana marketeiro:

Arregimentar defensores acérrimos, ávidos por novidades, toldados por uma mistura explosiva de crença, análises enviesadas e sentimento de pertença a um grupo.

É o Partidarismo que algumas marcas já conseguiram e que até geram algumas rivalidades entres os fan boys:

Ferrari vs Porsche
Mac vs PC
iOS vs Android
Beatles vs Stones

Até aí chegar (para os pouco que aí chegam) uma marca não tem esse poder de influência:

  • os seus erros serão amplificados
  • as suas incongruências serão expostas impiedosamente
  • as suas feridas abundantemente esfregadas com sal.

E sendo assim, se a nossa audiência sentir esse desconforto que é a dissonância cognitiva, poderá ocorrer uma mudança de comportamento (“deixo de comprar”), de pensamento (“Afinal não prestam”) e de discurso (“Não comprem, não presta”).

Queremos então criar um Partidarismo à nossa volta, uma audiência que nos apoie e defenda.

Um Partidarismo positivo, que não seja composto por hordas de partidários acríticos, mas sim por uma legião de fãs que se identifique com os nossos produtos, valores e propósito.

COMO PODEM AS MARCAS EVITAR A DISSONÂNCIA COGNITIVA

NO DOMÍNIO ÉTICO

Sendo a dissonância cognitiva um conceito individual, a marca não consegue ter controlo sobre ela em cada um de nós. Mas pode agir de modo a combatê-la:
fazendo coincidir o que é com o que diz | o que faz com o que publica | o que pensa com o que defende em público.

Tem de existir um sistema de valores, uma Ética inerente à própria marca,  que passe de dentro para fora e não o contrário.

Sport Washing, Green Washing, Purpose Washing e outras lavagens a seco são isso mesmo: uma dissonância cognitiva da marca para com ela própria e/ou da sua audiência para com a marca.

As pessoas têm de se identificar com o que a marca pensa, diz e faz.
Não pode ser a marca a moldar-se ao que dizem / ditam as Trends ou os Profetas Visionários das previsões de final de ano.

NA ABORDAGEM AO MERCADO

1. Na definição da audiência

Enquanto marca, se não queremos que se desiludam connosco ou com o nosso produto, temos de procurar quem à partida melhor se adeque a nós.

Se tentarmos ser tudo para toda a gente, não seremos nada para ninguém.

Por isso devemos segmentar o mercado devidamente, definir um perfil de utilizador recorrendo a dados demográficos, geográficos e psicográficos.

Só percebendo bem as necessidades (implícitas ou explicitas), problemas, anseios e desejos da nossa audiência ideal poderemos corresponder à expectativa que queremos gerar.

2. Na conquista de uma audiência

Onde comunico, o quê e como.

Não podemos deixar que haja uma discrepância entre o que a audiência pensa que é a marca e o que depois ela é na realidade. Para isso a gestão de expectativas é essencial.

E começa por adequar a mensagem e o seu veiculo à praxis.

3. Na compra

Seja no comércio físico ou no comércio online, a experiência do consumidor pode criar um desfasamento entre o que este idealiza e o que depois encontra na realidade.

Todo o processo de compra tem de ser condizente com o que comunicámos, com a perceção de marca que queremos que fique.

Não podemos deixar que se instale uma dúvida.

Um exemplo disso será uma equipa de vendas preparada e informada, quer a nível do produto, quer a nível do tipo e do tom da relação marca / audiência.
Assim transmitirão segurança, que do lado do recetor se transformará em confiança.

A forma é irrelevante:
Alta personalização ou rapidez e eficiência no atendimento.
Luxo ou Despojamento.
Diversão ou Formalismo.

Não há resposta certa ou errada. Há é coerência ou dissonância.

E a coerência gera repetição de compra.

4. No pós-venda

O cliente não se quer arrepender da compra que fez.

Todos detestamos entrar em dissonância cognitiva e depois reconhecer erros.

Por isso cuida do teu sistema de garantias, da assistência técnica, de garantir um atendimento pós-venda irrepreensível, assegurando respostas atempadas e assertivas.

E não esquecer: reconhecer erros ou defeitos não será um problema. Humanizam a marca e tornam-na mais digna de confiança aos olhos do cliente.

Conclusão:

Criar um grupo coeso de fãs indefetíveis (Partidarismo) não é fácil.

Para lá chegar existe uma montanha a escalar:

Conheço      ➜     Gosto      ➜     Confio      ➜     Adoro      ➜     Pertenço

A consistência e congruência do que pensamos, dizemos e fazemos permite evitar dissonâncias cognitivas que nos façam perder a nossa audiência.

Assim que chegamos ao pico da montanha, a nossa audiência está partidarizada.
Os nossos erros serão relativizados, as nossas imperfeições justificadas.
Alguém se lembra das falhas do iPhone?
https://www.wired.co.uk/article/iphone-10-biggest-failures-iphone-history

* Nome para uma possível aliança à direita. Viste-o aqui pela primeira vez. Não tens de quê.

Deixa o teu comentário

O seu endereço de email não será publicado.