Imagina-te num sábado à noite.
Ou melhor, num domingo de madrugada.
5h37. Foi uma noite bem puxada: muita risada, caminhadas de bar em bar.
Houve algum excesso etílico (não muito, porque somos todos pessoas de bem, certo?).
O frio invernal  dessa noite de Dezembro e o calor claustrofóbico de bares à pinha definitivamente não combinam.
Reparas num desses raros botecos abertos de madrugada.
Alegria! A fome já aperta, o jantar já parece ter sido noutra vida e houve um grande dispêndio de energia.
Entras e ao lado do pequeno balcão, vês um cesto.
Chamas por alguém. Não há resposta.
Voltas a olhar para o cesto e reparas que está cheio de pão ainda a fumegar. Aproximas-te e aquele cheiro reconfortante a farinha, lenha e fermento enche-te as narinas e ativa-te as papilas gustativas.
Há lá em casa uma manteiga (light, claro) à espera dele!
Voltas a chamar. Nada.
Novamente o cesto. Novamente o cheiro.
Aí começas a pensar: “E se…” “Será que…?” “Pode ser que…”
A porta está a um passo de ti. Era só pegar num desses manás divinos e sair.
Olhas para o lado e vês um pequeno dístico amarelo: “Sorria, está a ser filmado”
Voltas a chamar uma, duas vezes. Alguém responde.
Pegas no pão, pagas e sais do boteco com duas certezas:
Este pão ainda quente vai saber pela vida e o dia de amanhã vai ser penoso.

Exercício de escola

Nesta pequena estória encontramos 3 condicionantes das nossas ações:
A Ética, A Moral, A Lei:

    • Eticamente sabias que não devias roubar.
    • Moralmente questionavas-te sobre roubar ou não. Querias e podias, mas não sabias se devias.
    • À “fiscalização” da câmara poderíamos chamar de Lei: a restrição da ação pela perspetiva de uma punição.

Foi uma decisão ética? Ouve algum principio moral envolvido?

    • Não. O olhar de vidro da câmara emulou o sobrolho franzido do olhar de um pai reprovador. A tua ação foi condicionada, não houve livre arbítrio.

Esta dialética também está presente no mundo das marcas e dos negócios.
E a construção de marca pode (e deve) fortalecer a identidade de uma empresa através do exercício da ética.
Porque quando se fala de branding, tem de se falar também da construção de um sistema de valores.
Este sistema será um conjunto de ideias, princípios e valores que serão intrínsecos, que se devem sentir e viver. E a Ética da marca / da empresa / da organização.
Cria a noção de esforço coletivo
Faz crescer a cooperação
Abre portas para um canal de comunicação com o exterior, onde os valores são um ativo reconhecido da empresa (ou organização).

LEI / ÉTICA / MORAL

No exercício da Ética, existem duas dimensões:
A  dimensão individual, do que queremos, os nossos desejos.
E a dimensão coletiva, esse tal património de convivência.

E a Ética existe nesse choque, na disposição que temos em submeter o nosso apetite individual ao crivo da nossa vida social e satisfazê-lo apenas se não for lesivo para o coletivo.

Trocado por miúdos:
É fazermos apenas o que sabemos que não prejudicará o todo.

Quanto à Lei

Vamos já arrumar a questão.

  • Cumprir a Lei não é comportamento ético.
    É um comportamento impositivo ou coercivo, cumprimos porque se não o fizermos sabemos que poderemos ser punidos. O que nos move é a … como dizer … cagunfa.
  • Na Lei não existe uma decisão moral envolvida.
  • A Lei não nos obriga a adotar certos valores ou a rejeitar outros.
  • A Lei apenas define o que é legal ou ilegal

Já a Ética é:

  • O enquadramento do que é legítimo e ilegítimo
  • A identificação dos valores fundamentais
  • De cada tempo, lugar ou cultura
  • Um zelo coletivo por uma sã convivência
  • Força-nos a decidir:
    Faço ou não? Digo ou não? Fico ou vou embora? Assumo ou descarto?

A Ética não é:

  • Definitiva
  • Fácil
  • Individual
  • Necessariamente Universal

A Moral é:

  • O conjunto de escolhas individuais que fazemos.
  • Intransmissível
  • É o que faríamos mesmo se ninguém estivesse a ver

Diferença entre Moral e Ética?

  • A Ética é coletiva. A Moral é individual.
  • A Moral pode ser influenciada pelas circunstâncias, pelo nosso meio, pelos nossos pares.
    A Ética é, no curto prazo, impermeável a esses fatores.

E NUMA EMPRESA?

A definição de princípios e valores da Marca não é conversa fiada.
Eles devem criar na organização esse conceito de Bem vs Mal, de certo vs errado.

Mas depende do contexto, o que é um valor absoluto para uma empresa, não o será para outra.
Para certas empresas o valor do silêncio, do respeito pelo tempo e espaço do outro pode ser fundamental.
Existem mesmo empresas que promovem o culto da comunicação assíncrona, da diminuição ou extinção de reuniões e do tempo para desenvolver trabalho sem interrupções.
Para outras, o trabalho cooperativo é um mantra sagrado. O debate e a interrupção, questionar e iterar, são considerados paras essenciais nesses eco-sistemas de proto-caos (mais associados às “indústrias criativas”).

Por isso se deve fazer esse trabalho de Branding, onde é estabelecido um conjunto de valores, identitários e identificadores da marca.
E uma Ética própria, para ser verdadeira, duradoura e percebida tem de estar associada a Responsabilidade e Liberdade de decisão e de conduta.
Porque como já disse, e não será demais repeti-lo, uma equipa que age com base na vigilância ou antecipação de uma penalização não está a agir eticamente. Está condicionada pela Lei da organização e por isso não está motivada ou integrada na cultura da empresa (ou esta nem tão pouco existe).

O que pode uma empresa fazer?

A Ética da Marca.

Se faz parte de uma equipa de liderança, o estudo milenar da Ética pode ensinar-nos alguns pontos:

  1. Não faças aos outros….
    Agir em relação aos outros indivíduos e organizações da mesma forma que esperamos que as outras pessoas ajam em relação a nós.
  2. Pensar no coletivo
    Agir de forma a resultar no maior bem para a empresa ou para a sociedade.
  3. Seguir a Regra da TV
    Não fazer nada que não se possa ou não se queira dizer em público e abertamente que o fizemos.
    Ou seja, colocarmo-nos a seguinte questão: “Eu não teria problemas em explicar num canal de TV porque tomei esta atitude?”
  4. Evangelizar pelo exemplo
    Agir de tal forma que a(s) atitude(s) que tomamos possam ser uma lei ou regra universal de comportamento em relação às circunstâncias dadas.
    A Ética espalha-se pelo exemplo, são princípios que por estarem sujeitos a reflexão e questionamento requerem muitas vezes esse farol, essa estrela polar que nos guie.
  5. Não utilizar as pessoas para atingir um fim
    Pensar no outro como um fim e não como um meio.
    Tradução para as marcas: pensar em servir o cliente e não em servir-se dele.
  6. Dar um bom enquadramento
    Num quadro de Ética o comportamento é pensado, deliberado e voluntário. Reside em nós.
    Mas a organização cria a cultura e providencia que o contexto é o melhor possível
    Estes influenciam a intenção das ações das pessoas
  7. Liberdade e Responsabilidade
    Pretende-se que cada um, em liberdade e com total responsabilidade pelos seus atos, possa decidir em cada momento quais as ações a tomar perante colegas, organização, superiores, fornecedores, clientes, instituições governamentais e locais e sociedade.
  8. Viver na prática
    A empresa tem de construir o seu próprio código de ética, com a sua própria hierarquia de valores
    Esta hierarquia não é para ficar imortalizada em quadros, em grafismos nas paredes ou até na tecnocraticamente redigida na Política de Qualidade.
    É para ser vívida e vivida.
  9. Ética é uma planta
    Precisa de ser alimentada, cuidada, renovada.
    É um exercício do quotidiano.
    As circunstâncias mudam, os intervenientes mudam, à uma dinâmica que obriga que não nos esqueçamos que se não agitarmos as águas elas vão apodrecer e afastar as pessoas.
    Ver, Rever e Agir regularmente junto das equipas é não só importante, como obrigatório.
  10. Explicar, Educar
    A liberdade de escolhas traz-nos angústias e desafios
    Identificar as alternativas, Estabelecer essa Hierarquia de Valores, Assumir responsabilidades,  pode trazer dúvidas.  É importante por isso haver um respaldo da organização que valorize e ampare as decisões, e não deixe as equipas sozinhas nas suas decisões.

O que pode não fazer?

  1. Entrar na esfera individual
    A marca não deve educar para a moral individual, mas para a ética dentro da organização.
    O encaixe da moral de cada um dentro do coletivo é trabalho para o recrutamento & seleção identificarem na contratação e para ser monitorizado ao longo do tempo.
  2. Confundir causas com princípios.
    Entregar uns cabazes de bens ao Banco Alimentar, dar dinheiro a uma Popota da vida ou patrocinar uma patuscada na Associação da terra não representam valores. É uma causa. Hoje podemos apoiar uma, amanhã outra. Mas os nossos princípios, a nossa teia de valores essenciais não se altera.
  3. Confundir a moral dos outros com os nossos princípios.
    A ferocidade com que algumas posições morais são defendidas por lideres de opinião, por cidadãos mais ativos ou por organizações com tempo de antena levam a que num efeito rebanho empresas adotem essa moral como princípios seus.
    Sustentabilidade, Igualdade de Género, Anti-racismo entram então no discurso de muitas e muitas empresas sem que isso depois tenha qualquer tipo de ligação com os seus atos quotidianos. Umas vezes inconscientemente, outras nem por isso (olá Greenwachers, estou a ver-vos!)
  4. Mais regras ≠ Mais integridade
    A Ética é vista como um dever ser, não imposto, que provém de uma motivação intrínseca.
    Quando a motivação é extrínseca e existe potencial coercibilidade, não estamos no domínio da ética, mas da Lei da Organização, mais conhecida popularmente como Lei do Chicote.
    As câmaras de vigilância, os horários espartanos, as circulares em tom passivo-agressivo, os cartazes cheios de maiúsculas e triângulos proibicionistas ou as normas de conduta versadas em catrapázios empoeirados não criam uma empresa com mais ou melhores Ética.
    Pelo contrário.
    Ao retirar a livre escolha, desmoraliza a empresa ou seja, retira das pessoas as decisões morais e entrega-as à vigilância, à repressão e à coação.
    E também desmoraliza animicamente falando porque retira o ímpeto e a motivação intrínseca.
    Porque a Moral e a Repressão são como uma balança: se um prato está em cima é porque o outro não tem peso.

Então afinal qual é a importância da ética nas marcas?

A ética traz confiança.

A confiança constrói marca.

A marca fortalece a empresa.

PS – Não entra aqui em conta a ética específica (por exemplo a profissional) que muitas vezes são códigos de conduta. Refiro-me sempre à ética geral e fundamental:

Liberdade, Consciência, Responsabilidade, Bem, Valor, Sociedade.

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